quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Meu carro no conserto. E no metrô, às 5:50 da manhã, num dia de chuva, viajam comigo os homens de calças manchadas de tinta branca, sandálias havainas e simplicidade no rosto. As senhoras, quiçá domésticas ou secretárias que entram 7 em ponto por um salário, ali, me olhando, com ar vago de curiosidade, procurando entender o que faz no metrô na primeira hora da manhã, uma mulher com um sobretudo escuro, sapato alto, cabelos loiros e jeito de endinheirada. 

Mas acontece que eu sou povo. E nada mais sou além disso. Porque nem por um segundo só eu me sinto diferente. Carrego comigo a mesma dor de ser humano, conflitos e marcas. Sou da mesma espécie, sou igual, sou apenas mais uma no meio da multidão.

Em cada rosto, em cada olhar, eu procurava uma estória. E em cada ser humano ali sentado havia uma marca tão pesada e fria quanto as marcas que tenho comigo. Somos mesmo assim, humanos. E nada mais somos além disso.

E quando a porta do metrô se abriu, desci pensando que nunca mais eu veria aquelas pessoas, nem elas a mim. Mas elas levam consigo suas estórias e eu levo as minhas. E nisso somos diferentes. Cada uma tem a sua estória. Boas ou ruins, são nossas, e ninguém pode mesmo tirá-las de nós.
Posso esquecer o passado, mas não quero. Posso apagar algumas estórias, mas não devo. Posso negar o que passei, vivi, sofri ou perdi, mas não vou fazer isso. Eu não sou só uma pessoa. Eu sou uma estória e não vou abrir mão dela. Eu sou a soma das chuvas, das tempestades, dos milhares de erros e dos muitos fracassos. Se eu disser "não" a tudo isso, estarei dizendo não a mim mesma. Eu não tenho nada do que me arrepender. Não me sinto culpada de nada. Desculpe quem gosta de culpa para justificar qualquer coisa torta dentro de si mesmo, mas eu não me sinto escrava, nem em dívida. Sou uma aprendiz da vida. Gosto dos meus erros, gosto de ser quem eu fui, porque quem eu fui define hoje quem eu sou. E eu tenho que gostar de ser quem eu sou. E gosto. Posso ser a soma de muitos fracassos, mas sou também a soma de milhares de acertos. Sou igual a todo e qualquer ser humano.Sou o bastante para ter um nome. E esse nome é mesmo só meu e de ninguém mais.
Se eu pudesse escolher e fizesse bem para o corpo, eu não dormiria mais. Tenho tanta coisa para viver, ler, fazer, pensar. Quero horas a mais para ser eu mesma. Quero mais coração para pulsar mais alto. Quero que nada em mim jamais durma. Sou um sonho acordado.
Minha amiga encaixotando tudo para mudar para o apartamento novo. Aí eu filosofo enquanto isso: a gente tem que ter coragem de jogar coisas fora, abrir mão do passado e mudar mesmo sem ter certeza de que a mudança será para melhor. Toda a Natureza é movimento. Astros não ficam parados no céu. Tudo gira. Tudo muda. Dói rasgar, dói ver indo para o lixo. Mas esse ato simboliza rompimento, o fechamento de um ciclo. E todo fim de um ciclo simboliza o começo de outro. Fecha uma porta para que outra possa se abrir. Deixa ir embora para que algo mais apareça no lugar. Limpa o jardim para uma nova primavera chegar.
E tudo passa rápido, porque vida é assim mesmo: um raio! E o Trem não espera por nada.
Quem dorme não vive e eu sempre penso nisso.
Será que a segunda chance volta? Nem sempre.
E aquilo que poderia ter sido e não foi? Ninguém saberá, porque alguém dormiu e deixou passar o Trem.
Ninguém falou, ninguém tentou, ninguém telefonou, ninguém foi atrás.
E assim os dias passaram e a estória poderia ter sido bem outra.
Mas ninguém jamais saberá.
Não olhe para trás, nem mesmo para contemplar o belo. A beleza é temporal. O que lhe parece tão belo hoje, não lhe parecerá amanhã. E o que não lhe parece gracioso hoje, amanhã poderá lhe arrancar suspiros. Você nunca sabe se o que via, via porque via ou porque queria ver. Você nunca sabe se o que amou, amou porque amou ou pelo quanto queria amar. O belo é a mente que constrói. O belo está dentro de nós, no nosso olhar, nas nossas emoções e não fora, no objeto observado. O belo é subjetivo. É como o vento, sem forma definida, sem cor, sem cheiro, sem padrão. O belo é belo para mim, mas não é para você ou vice-versa. Por isso, não olhe para trás para contemplar o belo. Porque esse belo já deixou de ser...Não olhe para trás para não voltar para o começo, justo agora, que você já está quase no fim.
Que todo mundo tenha direito ao riso de graça, sonhar sem hora pra acabar, comer uma picanha suculenta sem engordar.
Que todo mundo saiba como ser maduro sem ser chato, bobo sem ser ingênuo, ter sonhos e não acabar com eles por medo.
Que seja permitido inexoravelmente cantar Balão Mágico e Trem da Alegria sem receio de ser julgado, se chatear sem pensar que está sendo fraco, ter medo sem achar que não é normal ter.
Que todo mundo tenha amigos a qualquer hora do dia, saiba sorrir na dor ou na alegria, viva feliz da melhor maneira que puder.
Que a vida seja aqui e agora, porque o ontem já era mesmo e o amanhã ainda está por vir!
Aquela pontual dorzinha da existência, que eu nunca dispenso, e que vem e passa. Mas o que seria da vida sem isso? Gosto de chamar esses estados de "feliz infelicidade", tão necessária para graduar a alma e afundar nosso submarino cada vez mais dentro de nós mesmos, em direção à ilha da autodescoberta...
Eu nunca me vejo parada à margem de um rio, porque eu sempre o atravesso. Nunca morrerei com a dúvida de saber o que havia do outro lado, porque isso sim me mataria. Mesmo que eu não veja a outra margem, pulo na água e isso já me basta para validar o poder da ação, que julgo tão necessária quanto o ar que eu respiro. Agir! Porque esperar é consolo dos fracos. Suponho que essa seja mesmo eu e nem dói saber disso. O que dói é ser pouco.